quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Boi feliz - Criação orgânica !?

artigo
boi-cara-arvore
Por Robson Fernando*
para o Acerto de Contas
Nas últimas semanas a Folha Online fez uma verdadeira propaganda de uma iniciativa pecuarista que não é bem novidade, mas que vem chamando a atenção desde não muito tempo atrás. O “boi orgânico” ou “boi feliz” vem recebendo as bênçãos desse portal de notícias como se fosse uma grande oportunidade de a pecuária se livrar de sua onerosidade ambiental e também ética.
Entretanto, uma análise mais aguçada, que leve em consideração não simplesmente o bem-estar dos bois “felizes” mas sim considerações éticas mais profundas, vai nos atestar que essa iniciativa é uma ilusão em termos de respeito à vida e também de atitude ecológica.
Essa criação caracteriza-se por métodos que fogem aos procedimentos da criação convencional, afirmando manter os bovinos em pasto, utilizar medicina veterinária alternativa, abatê-los de forma “humanitária” e não desmatar para expansão dos pastos. Para pessoas que estão em cima do muro em relação à exploração rural de animais ou demandam um tratamento bem-estarista na criação de gado, aparenta um passo bom dado pela indústria da carne. Estaria a pecuária finalmente se tornando “benigna” e à prova de protestos éticos?
A resposta, no entanto, por mais que os onívoros queiram que seja o contrário, é não e nunca. Mesmo como um monstro domesticado com técnicas “paz-e-amor”, a pecuária não deixa de ser um monstro.
Em primeiro lugar, a Folha Online em seu apoio à “carne feliz” não respondeu a uma pergunta fundamental em termos ambientais: quanto é o rendimento de carne “orgânica” por hectare por ano? Considerando que um boi novilho de 467 quilos, que vive vinte meses na pecuária convencional, rende apenas 190,6 quilos de carne aproveitável ao ser morto (dados: sic.org.br) – 114 kg/ha/ano para 1 boi/ha, número baixíssimo em comparação a plantações –, pode-se supor que a produção de carne “orgânica” por hectare/ano é ainda bem mais baixa, considerando que os bois “felizes” vivem mais e não são induzidos a crescer mais rapidamente.
É dedutível que essa criação de baixo rendimento, para suprir uma demanda enorme de consumo num país populoso como o Brasil, teria que ocupar áreas ainda mais gigantescas que os pastos da devastadora bovinocultura extensiva convencional já ocupam hoje. Há também o fator de lucro do agronegócio, que inibe essa “organicização” em grande escala pelo fato de que a maioria dos pecuaristas quer lucros altos e não está nem aí para qualquer questão animal que não prejudique a produção.
O outro motivo, bem mais evidente, de a “carne feliz” ser uma ilusão é a ética. Uma criação mais “humanitária” não implica de forma alguma que a vida e a morte dos bois “de corte” sejam dignas e “paz-e-amor”. Nascer com o fim único de ser explorado e morto para ter sua carne vendida nunca deixou nem deixará de ser uma realidade infeliz e indigna. E, também, é impensável achar que aqueles animais desejarão morrer e agradecerão no final pela “boa” vida e pela morte “humanitária”.
A pecuária “orgânica”, além de ser questionável em termos de sustentabilidade, não abandonou o fundamento de faturar pela morte dos animais que mantém cativos. Esses detalhes precisam ser melhor analisados por aqueles que estão cogitando deixar o vegetarianismo pela existência de uma opção pseudoética de carne vermelha. O melhor não é pensar se os bois serão tratados de forma mais confortável, mas sim se eles continuarão tendo seus direitos de viver, ser livres e fazer parte do ambiente natural negados e se realmente dependemos disso, mesmo numa condição pouco menos pesada ambientalmente, para viver.
*Robson Fernando é articulista e graduando em Ciências Sociais pela UFPE

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